Michel Scherer (1987, São Paulo) é artista autoditada em formação informal.

Sua experiencia comercial começou de casa. Ainda criança sua no oeste catarinense trabalhava com agricultura e vendas de alimentos produzidos por sua mãe Nelsi. Aos 11 anos muda-se para São Paulo e junto aos seus irmão se torna catador de recicláveis na vizinhança, no bairro do Ipiranga, onde nasceu.

Teve em sua adolescência a estabilidade de trabalhar com legumes e verduras em feira livre durante estudos no ensino medio.

Iniciou seu trajeto em restaurante lavando panelas após ser entregador de caminhão de frutas no bairro do Itaim Bibi e dali saladeiro para antes de se queimar (literalmente), nos Jardins como cozinheiro.

No Jardim Europa encontrou com um chef espanhol a paz e a beleza do conforto em desenvolver-se confeiteiro, manifestando rapidamente ascensão e significância profissional na área.

Estudou Administração na Unitalo e Serviço e Hospitalidade pelo projeto Restaurante Escola São Paulo da então prefeita Marta Suplicy.

Desenvolvendo uma prática sensível à própria memória e ao seu lugar reconhecendo-se enquanto cozinheiro um Artesão de Memórias Gustativas.

Teve em sociedade sua cozinha, baseada nas receitas das mães envolvidas a Casa Baunilha, onde a produção culinária e os estudos gastronômicos configuravam feitos como experiência  de gosto e visualidade poética respondendo a malha intima e social. Essas produções revelaram traumas da cultura colonialista e imperial, subscritas nos nossos modos de todo convívio.

Em 2016 mudou-se para Londres, onde teve seu primeiro trabalho na cozinha do Rochelle Canteen. Trabalhou também com Lily Vanilly e com Hanne Cole nos brunches do Louie Louie. Produziu também diversos eventos gustativos para Gasworks, Thomas Dane Gallery, Gagosian entre muitos outros.

Com dedicação e seriedade esse caminho o levou por fim a cozinheiro chefe da Royal Academy Schools. Então seus estudos sobre receitas e costumes culinários se expandiram ainda mais para Arte.

Entre cozinha e ateliê, mergulhou em receitas, coleções e desenho. Encontrou na pintura sua nova maneira de oferecer a si e ao mundo um alimento menos efêmero.

De volta a São Paulo em 2022, passou a colaborar com a Cozinha da Ocupação 9 de Julho. Grande aprendizado e uma forma de se reintegrar a cidade, que após 6 anos parecia outro lugar.

Buscou desenvolver-se intelectualmente em cursos diversos, especialmente pelo Sesc. Foi com Tiago Mesquita que aprofundou-se em história da arte. No Instituto Tomie Ohtake focou em pintura com Paulo Pasta. Nunca deixou de investigar as possibilidade do desenho com Debora Bolzsoni encontrou mentoria desde então.

Assim Scherer expandiu sua pratica para a cidade com ações de Pintura Livre ao Ar Livre, extendendo seu ateliê ao coletivo.

Hoje sua obra atravessa pintura, culinária e objeto, explorando tanto a materialidade do ordinário quanto da cozinha , numa fusão entre experiência coletiva e gesto confessional.

Michel desenvolve séries em ateliê como flores para casas em chamas onde explora memória, traumas coletivos e a intimidade do ambiente domesticado como metáfora humana de experiencia e possibilidade poética para liberdade.

No projeto #slowbakinggroup, iniciado em Londres e retomado em São Paulo, cozinhar torna-se prática de presença e partilha.

O ambiente e a arquitetura que o cerca também são matéria em sua obra. Inscrito em territórios modernos onde o projeto de progresso compõem a paisagem de constante instabilidade. A exemplo de São Paulo e sua inconstância arquitetônica que ecoa a lógica política onde cada governo inaugura-se como se não houvesse passado, mesmo invocando mártires — e esse “estado em fuga” ecoa com Mário Pedrosa quando afirmou: o Brasil estaria condenado ao moderno. Londres, por sua vez, devolve a São Paulo espelhamento: se de um lado a capital do Reino Unido exibe a sobreposição de tempos e ruínas, do outro a cidade brasileira encena a urgência de apagar e refazer. Entre esses polos Michel se afirma como corpo e gesto de memória em sobrevivência.

Assim devolve ao público o que a cidade frequentemente apaga: a consciência de que cada camada — o trabalho, o individuo, a casa, a flor, a ruína — participam de um ciclo maior. Tal como memento mori, a terra, os alimentos, suas telas revelam estados cíclicos da experiência humana, onde o íntimo se projeta.

Michel participou de exposições coletivas em Londres, São Paulo e Ouro Preto, entre elas Royal Academy, Kupfer, Open Space, Marli Matsumoto, Galeria Reocupa, Espaço Delirium, Museu da Inconfidência e no Instituto de Artes da Unesp. Cada mostra reafirma sua pesquisa como encontro duma poética de presença que insiste na liberdade como gesto cotidiano.

foto por Benedikt Ahmed

São Paulo Setembro 2024